segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Loucura



São três da manhã, 
Chove no sertão.
É madrugada.
Uma mulher, na chuva,
Deseja que a chuva lave
A sua alma e a sua dor.
A graça, que vem do céu,
Lava as mãos, os pés,
O perdão, a pressa.

Iguais



embaixo mora a força
a doação
o calor
a calma
em cima também mora a força
a fúria
a vontade
o sonho
tanto em cima quanto embaixo há solidão

domingo, 28 de agosto de 2011

Parque de diversões


Dentro de um baú,
Velhos sonhos,
Valores e certezas,
Pó.
A vida é mesmo carrossel,
Roda gigante,
Kamikase.
Os que não têm coragem
Se matam.
Morrem por não viver.

Poesia em alto relevo



Na boca, o olhar e o gosto da poesia.
Nos olhos e nas mãos, o nunca.
O texto, o contexto do pretexto.
No riso, palavras ecoam o gozo.
Na alma, o grito, o fim da espera.
Terrorismo de estar, de ser e poder.

Medo


um medo pré-histórico 
invade a alma
medo da vida
medo da sorte
medo do medo
medo da morte       
gestalt de medo
medo
medo Medo
Inferno de medo da vida

Responsabilidade



Na esquina uma menina de pé.
Roupa, alma, coração de puta.
Puta menina, descaso da vida.
Faz ponto na espera
Da venda da alma,
Do ser,
Da essência.
13, não mais que 13.
Sem noção, a vida se perde.
A graça.
Ninguém faz nada.
Ninguém fala.
Ninguém vê.
Na esquina há uma menina,
de pé,
perdida.
13, não mais que 13.

Consciência


Veio com o sol a certeza de ser mortal,
De fazer parte de uma nação indigna,
De ser pele, cor, fogo,
Humano, livre.
De não ser semideus - mentiroso.
Acordei eu,
Só eu.

Coisa


por que a gente tem
mania de nomear?
pra tentar entender o que é?
pelo conforto do nome?
pra não perder o controle?
ou só pra saber o que é?

Ouse (nexus)



sobre a  prateleira de vidro - as essências.
guardado no mais intimo da alma - a dúvida.
estaria minha essência num  vidro?
quebre o vidro. veja a essência. (sussurra o juízo.)

Liberdade



Gaiolas amassam
As penas da alma,
O viço se vai,
A essência escorre nos dedos.
Então há silêncio na gaiola.
Voa,
Mas volta.

Minha janela canta.

roda girante



permissivalentalargaotimistaesperançosa

faz da vida roda

erodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaerodaeroda
egiraeviraerevira

lentalargafartamortaviva

?



Amor?
Amor a quem?
A mim?
A eles?
A ele?
A ela?
A nós?
A vós?
A tu?
Vou pra Roma,
quem sabe fica mais fácil?

Prece



Amo acordos
E nunca quis ir a Brasília.
Brasília me faz mal de longe,
Não aguentaria respirar Brasília,
Não suportaria sentir Brasília.
Talvez seja neura,
Mas...
Amém.
Fique Brasília lá e eu cá,
No sossego de meu sertão,
Pedindo a Deus nunca precisar viver lá.

Vida



se perca em seus braços
permita sorver cada gota
deixe se envolver
não se negue momentos de glória

Iluminação


O que mais quero é esbarrar 
E parar,
De pensar, de sentir, de doer.
Vislumbrar o futuro é um mal.
Ou o mal é não viver dele?
Carpe diem  já não me vale.
Vivo de hoje e o hoje nada me traz.
Nem sei se o diacho do futuro vem.
Ao menos não me deixa só.

Decepção



bate um coração puto
num peito vadio.
insiste em doer
um não se entregar de sexta.
grita e reclama a cama que não cabe mais.
quem dera coubesse.
um inferno de sentido que rói,
consome, destroça, remonta.

Ciclo intempestuoso



Tempestade, fúria viva. Forte, lenta, fonte farta. Inesgotável. Letal. Inexorável, inconstante. Previsível (pra quem sabe ler). Volátil, efêmera. Leve chuva, fina brisa, leve garoa. Tsunami que arrasta, mata, morre, faz viver. Vento forte, brisa leve, fúria viva. Calma, lenta, chuva que passa. Arco que vem entre nuvens, pacto de terra seca. Aridez, calor, calmaria. O ciclo se fecha. O céu de novo enrubesce. Tudo recomeça.

Desapego


Saudades da minha neguinha.
Saudade que aperta.
Longe, presente.
Conselho de um coração jovem
Para um coração cansado,
Descompassado.
Volta!
Não volto.
Volta!
Não dá.
Volta!
Não, não volta.
Escreve uma carta,
Não leio e-mails.

Guardião do tempo


Chegou noturno,
Envolto em castelo de pedras.
Não trouxe mala,
Trouxe bagagem.
No corpo, a semiótica da vida,
No silêncio, o segredo.
O orgulho preso à garganta.
Anos de acerto no coração,
Erros e danos.
Ranzinza, mas de sorriso fácil.
Um lado do peito lotado,
O outro por preencher,
Talvez por um amor ou uma dor.
Chove.
Venta.
Faz frio.
Amanhece.

Amor de artista



Tecido no seio da arte foi concebido artista,
Rascunhado, gerado, sonhado.
Impossível respirar
Senão o odor da arte que o cercava.
Assim, impregnado pelas cores e formas,
Cresceu.
Viu mais que outros, viveu intensamente mais,
Então, ainda jovem, imerso em tanta essência,
Escorre em sua existência
A leveza da inspiração.
Olhos de outono em corpo viril,
Cansado por ter vivido o que ainda lhe resta.
Nada sobrou.
O que viver agora?
Talvez ser artista bastasse
Num ritual de criar e recriar o amor todo dia.
Obrigado a se apaixonar a cada manhã
Pelo fim dos seus longos dias,
Condenado a ter sempre um novo olhar.
Não seria impossível manter um ritual assim,
Desde que o amor brotasse,
Incondicionalmente a cada alvorecer.
Então, inerte ficaria,
Na espera que a arte se finde
Para que o amor comece
E o êxtase aconteça.

Play2tempo



Entre um game over e outro
Um menino espera.
Espera um voo de pipa,
Uma aposta de corrida,
Um rolar de bola,
Um estar junto com tempo.
Mas o tempo não dá tempo,
Tempo injusto, tempo mau.
Olhos na estrada.
Vontade de estar não falta.
Haverá tempo.
Continue.
Quick play.

Coragem



Um menino sobe a serra.
Um homem se faz no campo.
Grilo canta, sol se pó.
Nasce a vida cedo sonhada.
Floresce no sertão o sorriso
A dois, a três, a quatro.
Para Montes Claros,
Um simples não.
Ao longe, se vê a fumaça.
Comida pronta,
Lar quente.
Viver feliz custa pouco.
Bastou só se decidir.

Tia Tê



Tia Tê dos sobrinhos,
Dos filhos dos amigos,
Da rua inteira,
De muitos, de todos, de tantos.
Tia Tê sabe. Tia Tê faz. Tia Tê tem.
Tia Tê leva. Tia Tê traz. Tia Tê vai.
Tia Tê vem. Tia Tê cuida.
Tia Tê fala. Tia Tê conta.
Tia Tê resolve.
Tia Tê nunca diz não.
O amor veio no nome.
Doce Tê, Terezinha, Tia Tê.
Não é doutora da igreja,
Mas, é doutora em doar-se.
Me amas e eu te amo minha mãe.

Cruz vazia


_O que faz aí pregado que não me ajuda?
_Que não me socorre, nem me escuta?
_Desce daí, sei que pode.
_Desce e vem ver como estou.
_Ando triste, deprimida, revoltada. Não vê isso?
_Anda, desce daí, se solta.
_Desce.
_Me escuta. Me ouve. Me ajuda. Sei que pode.
_Preciso de Você ao meu lado.
_Não custa me ajudar.

Depois de chorar bastante, a pobre se deita absorta em seus problemas, cega em seu olhar.

Na manhã seguinte raia mais um dia de labuta, a menina chega à mesa e confessa:

_Dona me perdoe, eu conto.
_A cruz eu deixei cair.
_O Jesus, com quem ocê fala, está lá bem ao seu lado, no criado junto à cama, desde ontem.
_Mas não briga. Acho que dá pra colar.

A mulher para, olha a cruz...
Ele já não está mais lá.

IMAGEM


Maldito espelho côncavo,
Desequilibrado convexo,
De imagens por vezes tão maiores
Ou tão menores que o real.
Virtualmente deformadas,
Achatadas, esticadas, disformes, conformes.
Cada qual com sua forma,
Única e sem par.
Inigualável dependência
Da aparência que nos prende.
Garimpo de um eu refletido invertido,
Aprisionado na luz do que o reflete.
Côncavos?         
Convexos?         
Planos?
Não temos planos, não temos norte, nada.
Somos convergentes,
Virtualmente simétricos em nossa assimetria.
De longe ou de perto, não importa.
Perfeitos,
Menores,
Imperfeitos,
Maiores,
Reais,
Invertidos.
Não mente o espelho somente.

Aurora



Era outubro quando Aurora veio.
Com Aurora, uma cor nova veio,
Nossa Senhora Aparecida veio,
Novo som veio, novo riso veio.
Outubro se foi,
Novembro veio.
Aurora amanheceu,
Anoiteceu,
Amadureceu,
Refez,
Cresceu.
Já estava pronta,
Ninguém sabia.
A Consciência Negra veio,
A verde deveria ter vindo. Não veio.
O céu azul chamou,
Convite de saudade guardada no peito.
O verde chamou,
O cerrado chamou.
Aurora foi,
Não ficou.
Entardeceu,
A noite caiu,
A saudade veio.
Escureceu,
A lembrança não foi.
O choro veio,
A dor não foi,
O vazio não foi.
Aurora ficou
Num último relance de par de asas abertas,
Verdes, pontas vermelhas,
Num fundo azul de varanda aberta.
Respeito.
Voa Aurora, voa.
Voa que o cerrado esperou.
Aurora foi,
Não ficou.
Foi por instinto.
Levou do menino a alegria.
Chora menino, chora.
Chora a chuva do dia.
Chora Aurora que foi.
Chora a primeira dor.
Chora o vazio na alma.
Chora tão cedo o abandono.
Aurora não foi,
Ficou.

ABDUÇÃO PARA SER



Nasci sedenta.
Seguir rotas nunca foi meu forte.
Minhas bússolas se quebram,
A mim restam a intuição e o vento.
Caminhos tortuosos e sofridos
Levam a lugares melhores.
Optei por tais esforços.
Numa sede crônica de mudanças, cresci.
Numa espera infinita
De um não sei quê fui forjada.
Enquanto isso,
Um DNA de carvalho gritava
Sufocado pelas grandes caravelas.
Arte pela arte.
Era isso, só assim seria eu,
Melhor reduzida a pedaços.
Ninguém sabia.
Insolência, rebeldia, ingratidão
Num mundo de nadas e seres.
Dias e noites de espera,
Madrugadas de espera,
Espera de madrugadas,
Espera de dias e noites.
Fênix, leoa, águia,
Raposa (do Pequeno Príncipe),
Eu e Deus.
Espera solitária,
Espera de Alice,
Talvez ilustração
Do mito da caverna de Platão.
Então, uma noite a nave veio,
Fui aonde eu quero ser.

INVEJA INFUNDADA



Passando pela rua, os vi ali,
Juntos, num beijo infindo, eterno.
Nasceram abraçados,
Um para o outro.
Foram concebidos assim,
Unidos, inseparáveis.
Rompê-los seria o fim.
O fim da beleza, da harmonia,
De uma unidade invejável.
Inveja?
Sim, senti inveja.
Uma inveja infundada,
Mas senti sim.
Porque a mim coube a sina de nascer só,
Efêmera.
Então a inveja some e me alegro
Porque nasci só, por sina.
Mas não me foi legado o destino de ficar só
Porque o meu outro existe.
Existe à parte
E se faz completo em mim.
Há nós, foi dada a condição da escolha,
Da liberdade, do amor.
A eles, a condenação do beijo eterno,
Imutável pelo frio da pedra.

Milagres



Milagres acontecem porque o amor existe.
Não se sabe como, mas acontecem.
Milagres vêm
Quanto mais se espera,
Quando menos se espera.
Milagres simples, inexplicáveis,
Nunca inesperados.
De crer para ver a ver para crer,
Caminhos vários,
Mistérios calmos, amor e fé.
Milagres fartos, fatos apenas.
Contados, enumerados,
Reestruturados.
Ainda milagres.